Pais pedem à Justiça autorização para que seus filhos possam ajudar no orçamento
Solinaldo Martins Sarmento acorda todos os dias às 5h, inclusive aos domingos. Em jejum, veste uma bermuda e uma camisa de meia e segue em direção à parada de ônibus mais próxima de sua casa, no bairro Alcione Barbalho, município de Santarém, oeste do Estado. Carrega consigo uma bandeja com 70 pacotes de bananas fritas e outros 40 de doces. Às 7h, desce em seu local de trabalho: um porto improvisado no bairro da Prainha, distante 15 quilômetros de sua casa. No bolso, apenas o dinheiro da passagem de volta. Sob sol forte ou chuva, ele vai ajudar a sustentar seus oitos irmãos. Anda 10 quilômetros por dia, parando em várias embarcações que viajam diariamente para Belém e Manaus. Do montante que apura, ele recebe apenas R$ 14, e diz que é o suficiente.
Solinaldo seria mais um brasileiro ganhando a vida como autônomo entre os milhões que existem em todo o País se não fosse por um detalhe: tem apenas 13 anos de idade. O pequeno vendedor, que trabalha desde os 9 anos, faz parte de uma estatística que envergonha o Brasil. Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são de 2001 e revelam que 2,2 milhões de crianças estão na mesma situação de Solinaldo, perdendo a infância e parte de suas vidas e sonhos.
Mesmo estudando a 7ª série de uma escola municipal, à tarde, Solinaldo faz parte de um grupo de risco, que passa a manhã andando sozinho pelas ruas de Santarém, à mercê da violência urbana. 'Casos como esse não podem acontecer e nós temos combatido todos dos dias na cidade. Mas a falta de estrutura e a grande demanda que a cidade nos oferece dificultam um pouco nosso trabalho', afirma Valtemir Santana, membro do Conselho Tutelar de Santarém, órgão público municipal de caráter autônomo e permanente, cuja função é zelar pelos direitos da infância e juventude, conforme os princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No Brasil, o trabalho infantil é proibido pela Constituição e pelo ECA até os 16 anos. 'Crianças com 14 anos podem, apenas, ingressar em programas de aprendizes. Aos menores de 14 anos, nem isso', explica Mônica Maciel Fonseca, juíza da 7ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santarém. Para a magistrada, o principal impacto negativo do trabalho infantil está no prejuízo ao desempenho escolar.
A juíza diz que é muito procurada por pais que querem saber se podem colocar os filhos para trabalhar e ajudar na renda familiar. 'Às vezes, o pai está desempregado e a mãe tem de cuidar de outros filhos e eles querem ajuda em casa ou em algum trabalho'.
A magistrada acha até tolerável um adolescente ajudar a família, mas chama atenção para alguns fatores determinantes, como as condições de salubridade do local e a segurança. 'Sempre esclarecemos sobre o futuro da criança ou adolescentes. Período de trabalho e condições de trabalho e se a criança está em risco', diz Mônica. 'Os fins sociais devem ser observados e não devemos fechar os olhos para isso', acrescenta.
Os pais que agem de má fé colocando o menor em situação de risco e até explorando o trabalho infantil podem sofrer penalidades. 'Nesse caso, os pais podem perder o poder de família e até responder criminalmente, dependendo do caso', conclui a Juíza.
Alailson Muniz
Agência Amazônia
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